No papel, o F190 era lindo. Seria bom se funcionasse
Depois do projeto de Lamberto Leoni afundar em 1989, deixando um rastro de dívidas e má reputação, um novo nome chega ao certame para dar uma reviravolta neste projeto natimorto e voltar a estampar as manchetes de jornais e revistas:
"A vida começa em 1990
A Life Racing Engines revisou suas ambições que comentamos na edição de 11 de agosto e não irá construir um chassi de Fórmula 1 antes da temporada de 1990.
O trabalho no motor W 12 de Franco Rocchi está acelerado e ele deverá fornecer motores para pelo menos duas equipes em 1989: Coloni e Minardi.
Com um tempo bastante apertado para fazer o design e construir um carro de Fórmula 1, a Life decidiu em atrasar sua entrada como construtora para a próxima temporada", era o que dizia a pequena nota da Revista Autosport de 26 de agosto de 1988.
Percebia-se claramente a intenção de Ernesto Vita em entrar na Fórmula 1, mas somente com um motor isso não era possível. Seus engenheiros e designers não estavam com capacidade plena para construir um chassi do zero e a história da equipe de Fórmula 1 da Life Racing Engines se baseava somente no W12.
Franco Rocchi ao lado do W12 da Life
O W12 sem os escapamentos era bem bonito
Franco Rocchi, o braço direito de Vita, tinha extensa experiência na Fórmula 1. Rocchi foi recomendado pelo próprio Enzo Ferrari quando Vita foi ao encontro do Il Comandatore.
Em uma época onde a Ford dominava a categoria com seus DFV V8, Rocchi criou um motor que trouxe a Ferrari novamente ao caminho das vitórias e títulos. Em 1975 ele lançou o B15, um motor de 3 litros e 12 cilindros flat que iria dominar a categoria. Foram, de 1975 a 1980, quatro títulos de construtores (75,76, 77 e 79), um de pilotos com Niki Lauda em 1975 e impressionantes 27 vitórias.
Com mais de 65 anos de idade – e depois de sofrer um ataque cardíaco, Rocchi estava para lá de um fim de carreira. Vita queria que ele projetasse um V12, mas a resposta de Franco foi fatídica:
“Vita, eu só retorno se puder fazer o motor em W que não pude fazer na Ferrari”.
Então, sem escolhas, deixou o projeto de Rocchi prosseguir. Franco criou seu motor de Fórmula 1 moderno. Seu primeiro estudo foi de um W18, onde conseguiu tirar excelentes 80 cavalos de potência em seu projeto em escala com apenas 3 cilindros e 500cc. Todavia, com a regulamentação da FISA banindo motores com mais de 12 cilindros, Franco teve que reprojetar seu motor, mantendo o pouco usual modelo em W, mas agora com 12 cilindros.
Cada bancada possuía um bloco de 4 cilindros em linha que, quando unidos, possuíam a mesma largura de um Cosworth, mas sensivelmente menor, visto que não possui dois cilindros por fileira, como nos clássicos F12 ou V12 - que em outrora fabricou. O motor pesava 140 kgs e, tanto Rocchi quanto Vita não estavam preocupados com a potência da usina naquele momento.
Em Fevereiro de 1989, Vita disse que tinha interesse de compras de chassis de várias equipes para a Life, como a March, Coloni e Onyx - mas que ainda queria fazer mais testes no motor e, eventualmente, até construir seu próprio chassi.
Mas meses se passaram e Vita se viu novamente apertado para estrear sua equipe. Em junho de 1989 ele desistiu de vez e firmou o acordo que tanto queria para colocar seu "time na rua", como disse à Autosport de 29 de junho de 1989.
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First vende-se para a Life
O projeto abortivo de um Fórmula 1 da First, de Lamberto Leoni, foi vendido em formato de protótipo para a Life Racing Engines.
De design assinado por Ricardo Divila, a First testou na pré-temporada com Gabriele Tarquini, mas contudo, o time cancelou os planos de se juntar ao circo da Fórmula 1 no último minuto por causa de sérios problemas financeiros.
A Life está desenvolvendo o seu 3.5L W12 por um ano e pretende correr com ele no ano que vem.
A compra do chassi da First permite que a equipe coloque a prova seu motor. A sensação italiana da Fórmula 3, Fabrizio Giovanardi, é esperado para correr".
Chassi da First já na fábrica da Life em Formigini, perto de Modena
Tudo era muito justo no L190
Mas nem só de carro e motor se tem uma equipe de Fórmula 1. Vita precisa de dinheiro e uma vaga na Fórmula 1.
“E fui até Ecclestone, em Londres, com minha secretária ítalo-australiana atuando como intérprete. Cheguei e falei a ele ‘Tenho 37 anos e quero entrar na F1’. Bernie me recebe, mas me ouvindo em silêncio. Quando terminei de expor todo o projeto, ele refletiu no meio minuto mais longo da minha vida e então sorriu, me dando dois tapinhas afetuosos e apertando minha mão, dizendo: ‘Eu gosto de você, Sr. Vita! A Life está registrada para o mundial de 1990. Envie o pedido para a FIA e tudo vai ficar bem, confie em mim. Agora é hora da festa: vamos jantar!’”
“O jantar acaba sendo chique, Bernie é absolutamente requintado e o sonho da Life continua. Na frente de patrocínio, peço a Agip se podem me dar dois bilhões de liras - enquanto dão dez para a Ferrari - mas me fornece 150 milhões de liras em cupons de gasolina, com os quais eu e meus funcionários ficamos livres de reabastecimentos por mais de dois anos. O presidente da Goodyear, por simpatia, garante-me o fornecimento de pneus de graça. Como piloto, um ‘broker’ me aconselha Gary Brabham, que diz trazer patrocinadores de dois bilhões de liras. Portanto, eu digo sim."
"Recebo uma carta de seu pai, a lenda Jack Brabham, que me agradece pela confiança dada ao descendente. Temos também um piloto de testes, Franco Scapini. A mídia italiana enlouqueceu e tinha pedidos de entrevistas de todos os lados”, revelou Vita em uma recente entrevista a Autosprint.
Ernesto Vita esteve na redação da revista Autosprint em 2018
Mas como nada é de primeira na vida da First/Life, o time teve problemas na adaptação do chassi ao novo motor. Além disso, sua potência era 200 cavalos a menos da esperada. Estavam conseguindo colocar apenas 420 cavalos, quando um bom motor teria que trabalhar em 650 cv. Mas a idéia de ter um motor potente como um V12 e compacto como um V8 seguia firme na cabeça de Vita e Rocchi.
Só que o motor quebrava constantemente, inclusive na bancada de testes e a Life só conseguiu colocar o carro na pista no começo de 90. E as honras do debut foi para Gary, que fez o shakedown da equipe no circuito de Vallelunga, ao norte de Roma.
Gary já havia testado pela Benetton...
... e pela própria Brabham, antes de se juntar à Life
"O time se interessou em mim porque eu tinha algumas experiências com testes de Fórmula 1, como a Benetton - além de ter a Super Licença".
"Eu fui convidado para ir à fábrica e esperava pelo menos assinar um contrato de teste. Ao invés disso, eles me ofereceram um contrato de dois anos! Eu continuo batendo na minha cara para ver se isso é verdade. Estou muito surpreso. Eu estava olhando para a F-3000 no Japão, então, essa é uma oportunidade brilhante.
Eles ainda não me deram números de potência do motor, mas pude vê-lo funcionando no dinamômetro, com toda a eletrônica e tudo que possuem na fábrica e isso explodiu minha mente. Várias pessoas são ex-integrantes da Ferrari e isso tem muito valor para mim. Eu penso que o time tem grande futuro", revelou Brabham à Motoring News em janeiro de 1990.
Brabham no Shakedown do F190 em Vallelunga
Nada alem de testes básicos foram feitos
Scapini, ao lado do carro, pegando impressões com Brabham
Scapini, que não trazia dinheiro, não treinou muito
Brabham vinha de um ano fantástico em 1989, vencendo o campeonato britânico de F-3000, torneio que usava carros de um ano de uso na F-3000 Internacional. O australiano bateu nomes como Roland Ratzenberger, Perry McCarthy, Damon Hill, Pedro Chaves e os brasileiros Marco Greco e Paulo Carcasci, que sempre andaram bem.
Além de Gary, chamaram o experiente piloto italiano Franco Scapini para ajudar nos testes. Depois de uma década correndo por campeonatos locais, tanto de F3 como F3000 - e com passagem nos EUA, na Indy Lights, e nas 24h de Le Mans, Franco vinha como papel de piloto conselheiro de Vita.
O teste de Vallelunga serviu para saber se o motor funcionava no carro, pois como nunca tinha ida para uma pista, precisavam desse check. O carro passou no teste, mas não quer dizer que se cronometrou alguma volta.
Franco Scapini dando seus pitacos em Vallelunga
Para um primeiro teste, tudo muito bonito. Equipe grande chamava a atenção
O teste aconteceu em fevereiro de 1990, menos de 30 dias antes da temporada começar, nos Estados Unidos. Tudo, como sempre, era feito em cima da hora na Life. Com o primeiro shakedown feito, Vita, Brabham e Scapini foram para Monza para o primeiro teste verdadeiro. O F190 iria se colocar a prova em conjunto com o F35 de Rocchi. Seria esse o casamento ideal para colocar o time "por volta da 15ª colocação", que era quando Vita respondia qual seria a posição que o carro estaria no grid.
Rara foto da Life testando em Monza
Segundo Franco Scapini, que falou com o
F1 Nostalgia, não foi bem assim. Em um rápido bate papo, o italiano contou como foi um pouco desses testes de pré-temporada.
"O nosso primeiro teste foi em Vallelunga, depois fomos para Monza. Em Vallelunga não tenho nenhuma lembra em especial, pois foi somente para o shakedown do carro. Mas em Monza, no segundo teste, nós forçamos ao máximo, mas depois de 3 voltas eu quebrei o motor... o primeiro de uma longa história", disse Scapini.
Scapini, Vita e Brabham... tudo pronto para a temporada de 1990
E após esses "valiosos" testes, o time estava “100% pronto” para estrear em Phoenix.
Aguarde as cenas dos próximos capítulos (que prometo que não demorarão mais de dois anos para chegar).